Em entrevista, a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Alessandra Cardoso analisa a crítica situação orçamentária da Funai
Acampamento Terra Livre (ATL) 2018. Foto: Guilherme Cavalli/CimiPOR RENATO SANTANA E TIAGO MIOTTO, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
Nos cinco primeiros meses de 2020, a Fundação Nacional do Índio (Funai) executou o menor volume de recursos dos últimos dez anos, em valores corrigidos pela inflação. O mesmo ocorreu com o orçamento destinado à demarcação de terras indígenas, que além de receber mais baixo valor desde 2011, teve também a menor execução no período: apenas R$ 84 mil gastos entre janeiro e maio, ou 1,18% do valor disponível para ações deste tipo.
A insufiência orçamentária do órgão indigenista oficial, entretanto, não é um problema recente: ele é histórico, embora tenha sido aprofundado pelo caráter anti-indígena do atual governo e se tornado ainda mais evidente em função da pandemia de covid-19, que já atinge aldeias em todo o país e encontra os povos indígenas praticamente desassistidos.
Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Alessandra Cardoso, as questões que afetam a Funai não são técnicas ou financeiras, mas políticas – a ponto de não haver, por parte do governo federal, uma estimativa real de qual deveria ser o orçamento necessário para que a Funai seja capaz de cumprir com suas atribuições constitucionais.
“Caso houvesse decisão política, essa medida do quanto é necessário poderia ser feita”, avalia. “Precisamos lembrar que demarcar as terras indígenas e garantir aos povos indígenas as condições para que possam sobreviver nas suas terras, preservando suas culturas e modos de vida, implica em barrar interesses privados poderosos que buscam a exploração de recursos que hoje estão fora do mercado”.
Confira, a seguir, a entrevista com a assessora política do Inesc.
“A Funai sempre foi um órgão com insuficiente capacidade orçamentária. O problema não é orçamentário ou de grandeza, é de ordem política”
Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc. Foto: arquivo pessoal
A capacidade orçamentária da Funai vem caindo nos últimos anos, sobretudo com o Teto dos Gastos, a ponto de não conseguir recuperar sua capacidade. O que a baixa execução deste orçamento já insuficiente pode gerar na estrutura da Funai?
Alessandra Cardoso: A Funai sempre foi um órgão com insuficiente capacidade orçamentária. É difícil afirmar o que seria um orçamento suficiente para dotar o órgão de capacidade de atuação, frente ao que é o papel definido no seu estatuto e para cumprir a lei, como obriga a Constituição de 1988. Caso houvesse decisão política, essa medida do quanto é necessário poderia ser feita.
Quanto seria hoje necessário, do ponto de vista orçamentário, para concluir os processos de demarcação das terras indígenas? Quanto seria necessário para estruturar a Funai de modo que ela tivesse uma presença mais firme nos territórios, nas suas Coordenações Regionais e Frentes de Proteção Etnoambiental, ou seja, para conduzir a política indigenista junto dos povos e comunidades indígenas? Quanto seria necessário para apoiar projetos de etnodesenvolvimento que já estão em curso e poderiam ser criados para fortalecer uma economia indígena que possui um alto valor agregado, em termos culturais e ambientais?
Estas perguntas me parecem importantes para que possamos não só denunciar o orçamento criminoso da Funai, mas para mostrar que o problema não é técnico e também não é financeiro, ele é eminentemente político.
Hoje o orçamento da Funai representa 0,02% do orçamento da União. Em termos comparativos, o que o governo federal concede de subsídios à Petrobrás e petroleiras estrangeiras para extração do petróleo brasileiro é da ordem de R$ 20 bilhões anuais, ou seja, um valor 33 vezes maior do que o orçamento anual da Funai. A conta pode parecer meio absurda, mas ela dá uma dimensão de que o problema não é orçamentário ou de grandeza, é de ordem política.
Precisamos lembrar que demarcar as terras indígenas e garantir aos povos indígenas as condições para que possam sobreviver nas suas terras, preservando suas culturas e modos de vida, implica em barrar interesses privados poderosos que buscam a exploração de recursos que hoje estão fora do mercado.
Recentemente o presidente da Funai disse em uma reunião com a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas que o órgão indigenista tinha um déficit de 3 mil servidores. Essa problemática orçamentária pode apontar para mais anos de dificuldades?
Alessandra Cardoso: Esta pergunta é interessante porque é o próprio presidente do órgão, que está alinhado à ideia de uma Funai que opera no seu mínimo possível, dizendo que o déficit de pessoal é gigante.
Hoje a Funai possui, conforme cadastro de pessoal do governo federal, 2.623 pessoas lotadas no órgão. Ou seja, pelo que diz próprio presidente, a Funai teria que mais que dobrar seus recursos humanos e quase dobrar seu orçamento somente para cobrir o déficit de pessoal.
“Se ao longo dos anos o modelo de saúde indígena diferenciado tivesse sido fortalecido, a situação poderia ser menos dramática”
Vivemos uma pandemia que no Brasil se viu intensificada. Quando falamos em orçamento e execução baixos, como isso impacta na estrutura do órgão para se fazer as ações necessárias de combate ao vírus nas comunidades indígenas?
Alessandra Cardoso: É uma tragédia mais que anunciada, pois não pensávamos na possibilidade de uma pandemia nestas proporções. Embora a saúde indígena tenha hoje um modelo interessante de atendimento diferenciado, ela já mostrava sua fragilidade antes da pandemia e agora o que vemos é que a esta fragilidade se soma um Sistema Único de Saúde que, embora muito importante e melhor do que muitos outros países, é insuficiente para garantir o atendimento no geral e ainda mais da população indígena. Se ao longo dos anos o modelo de saúde indígena diferenciado tivesse sido fortalecido, a situação que estamos vendo hoje poderia ser menos dramática.
Como um orçamento, no caso o da Funai, que é o nosso caso exemplar, é definido?
Alessandra Cardoso: O Teto dos Gastos, em curso desde 2017, impôs o congelamento dos gastos primários para todos os poderes. Isto significa que o congelamento não é por órgão, mas por poder. Ou seja, a Funai poderia ter seu orçamento dobrado, por exemplo, sem que isto implicasse mudança no Teto. Ocorre que a orientação política/legal para congelar o orçamento acaba sendo repassada a todos os órgãos e, ano após ano, a Funai, no caso, segue com seu orçamento engessado. Normalmente, o número indicado para o orçamento a cada ano tem como base o que se tinha de dotação e o que se gastou no ano anterior.
Desta forma, em linhas gerais, e dada sua estrutura precária de pessoal, o orçamento segue sendo estrangulado ano após ano. Outro elemento que destacaria é que uma parte importante da dotação orçamentária da Funai para as ações finalísticas (quer dizer, para além do que se gasta com pessoa e estrutura) é feita com base em decisões judiciais que exigem que o governo pague, por exemplo, indenizações relativas a processos de demarcação.
Mas, no geral, o orçamento é mantido nos mesmos patamares ano após ano, e nestes casos, como o que ocorreu em 2019, isto acaba tornando ainda mais reduzido os recursos para as demais ações e atividades do órgão, a exemplo da fiscalização.
Veja também:
Com apenas 0,02% do orçamento da União, valor gasto pela Funai até junho é o mais baixo em dez anos
Ações de demarcação e fiscalização de terras indígenas, muitas das quais invadidas durante a pandemia de covid-19, tiveram baixa execução orçamentária entre janeiro e maio de 2020
Fonte Agência
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