Em Genebra, representação do governo brasileiro busca emperrar debate sobre participação direta de indígenas no Conselho de Direitos Humanos da ONU
POR TIAGO MIOTTO, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI / Foto: Evan Schneider/ONU
O governo Jair Bolsonaro, em manifestação na Organização das Nações Unidas (ONU), buscou emperrar a discussão sobre uma maior abertura à participação de indígenas no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Na prática, ao defender que a discussão seja adiada, o governo tenta inviabilizar a participação indígena no Conselho.
Nesta segunda (15), o tema foi objeto de debate durante a 12ª sessão do Mecanismo de Peritos da ONU sobre o Direito dos Povos Indígenas (EMRIP, na sigla em inglês), que ocorre entre os dias 15 e 19 de julho, em Genebra, na Suíça. Há algum tempo, indígenas e organizações de apoio vêm lutando para que os povos originários possam ter representação direta no Conselho de Direitos Humanos da ONU, com uma metodologia que respeite suas particularidades culturais e formas próprias de organização.
Atualmente, organizações indígenas conseguem participar diretamente dos debates apenas em espaços específicos da ONU. É o caso da Relatoria Especial sobre Direitos dos Povos Indígenas, do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas da ONU, sediado em Nova York, e do Mecanismo de Peritos sobre o Direito dos Povos Indígenas, que se reúne anualmente em Genebra.
“Diferente do que acontece no Fórum Permanente ou mesmo no Mecanismo de Peritos, que reconhece as organizações indígenas como suficientes e legítimas para participar, no Conselho de Direitos Humanos podem participar somente organizações com status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da ONU”, explica Flávio Vicente Machado, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) regional Mato Grosso do Sul.
“Isso inviabiliza a participação destes povos em discussões que lhes são de extrema importância, como resoluções específicas, debates com relatores, criando uma série de burocracias e obrigando-os a trejeitos de participação que, na prática, acabam por desrespeitar inclusive o direito de consentimento destes povos em temas que lhe são de interesses”, afirma o missionário.
Pouquíssimas organizações indígenas tradicionais conseguem participar e contribuir com o Conselho de Direitos Humanos. A grande maioria dos indígenas que conseguem acessar a sessão o fazem por espaços cedidos por organizações não indígenas da sociedade civil.
“Fazendo frente a esta situação, o Cimi tem aberto seu espaço às lideranças, cedendo sua fala para elas, mas entendemos que isso está muito aquém do que é necessário. Defendemos que o Conselho de Direitos Humanos, órgão máximo que discute esse assunto na ONU, precisa assumir a representatividade indígena”, defende Machado.
A demanda tem sido apoiada pela União Europeia e por países como Suécia, Finlândia, Peru, México, Canadá, Bolívia, Austrália e Nova Zelândia, aponta o jornalista Jamil Chade. Na contramão, a representação do Brasil defendeu que o tema já está sendo discutido pela Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e que é necessário “evitar a proliferação de negociações em diferentes fóruns”.
A representação brasileira no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas apontou, ainda, que acha melhor que se busque “uma solução sistêmica” e que, no debate sobre a participação indígena, é necessário levar em conta “as discussões em curso acerca da promoção da eficiência” no Conselho – uma indicação de que, para o governo Bolsonaro, a participação direta de indígenas seria pouco eficiente.
“O Brasil não quer a participação dos povos indígenas no Conselho de Direitos Humanos. Isso é muito preocupante, diante de todos os processos de violação que a gente já vem passando”
Durante sua manifestação na sessão do Mecanismo de Peritos, no mesmo dia, o Cimi apontou propostas para a superação do que considera serem “obstáculos sérios” à participação dos povos indígenas no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Entre esses obstáculos estão as línguas oficiais da ONU, que são apenas seis e “não são faladas por grande parte dos povos indígenas”, e o fato de que a obtenção do status consultivo nas Nações Unidas é especialmente difícil para as organizações indígenas.
“As formas próprias por meio das quais os povos indígenas se organizam para lutar por seus direitos devem estar refletidas nos processos de participação no Conselho”, afirmou, em nome do Cimi, o representante da entidade em Genebra, Paulo Lugon Arantes.
O Cimi defendeu, ainda, que o Conselho trabalhe de forma mais detalhada no assunto, para avançar no desenvolvimento de mecanismos que facilitem a participação dos povos originários e, inclusive, permitam seu diálogo e incidência nos espaços informais do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.
“Encorajamos o desenvolvimento de uma metodologia específica, em conjunto com os povos indígenas, identificando os principais desafios para a participação, respeitando o protagonismo indígenas, de acordo com suas necessidades culturais e espirituais específicas e prioridades de participação no Conselho”, apontou a entidade.
A indígena Rayanne Baré, que está em Genebra representando a Rede de Juventude Indígena (Rejuind) durante as atividades do Mecanismo de Peritos da ONU, avalia que a posição do governo brasileiro é preocupante. “O Brasil não quer a participação dos povos indígenas dentro desse espaço do Conselho de Direitos Humanos. Isso é muito preocupante, diante de todos os processos de violação que a gente já vem passando”.
12ª SESSÃO DO MECANISMO DE PERITOS DA ONU SOBRE O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS
15-19 DE JULHO DE 2019
Intervenção Oral do Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Por Paulo Lugon Arantes
Senhora Vice-Presidente,
Saudamos a realização deste importante diálogo interativo.
Reconhecemos e agradecemos o trabalho de Erika Yamada na presidência do Mecanismo e continuamos a apoiar seu trabalho agora como membra desse órgão.
De nossa experiência no Conselho de Direitos Humanos, há obstáculos sérios para uma participação direta dos povos indígenas. Por um lado, as seis línguas oficiais das Nações Unidas não são faladas por grande parte dos povos indígenas. Por outro lado, se a obtenção do estatuto Ecosoc torna-se cada vez mais difícil em um contexto de restrição do espaço da sociedade civil, as dificuldades de sua obtenção para as organizações indígenas são multiplicadas, com apenas poucas destas organizações conseguindo a sua obtenção.
Não obstante, embora estes obstáculos sejam hipoteticamente superados, as formas próprias por meio das quais os povos indígenas se organizam para lutar por seus direitos devem estar refletidas nos processos de participação no Conselho.
Valorizando os passos já tomados, cremos ser oportuno que as instituições de Genebra trabalhem mais detalhadamente sobre tal processo de facilitação. Concretamente, encorajamos o desenvolvimento de uma metodologia específica, em conjunto com os povos indígenas, identificando os principais desafios para a participação, respeitando o protagonismo indígenas, de acordo com suas necessidades culturais e espirituais específicas e prioridades de participação no Conselho, incluindo participação nas negociações informais e modalidades de credenciamento. Também seria importante considerar maneiras de facilitar a participação intersecional indígena, para que sua incidência seja sustentável e de longo prazo. O Mecanismo de Povos Indígenas e o Fórum Permanente são experiências exitosas que podem inspirar o Conselho.
Muito obrigado.
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