Por José Barbosa Junior* / Jornalistas Livres
Esta semana, o ex candidato à presidência pelo PT, Fernando Haddad, deu uma entrevista ao El País, onde afirma, entre outras coisas, sobre os evangélicos, que “nós não aprendemos a dialogar com a base dessa igreja, muito menos com os líderes, que são em geral bastante conservadores”.
Haddad está coberto de razão. Aliás, esse é um dos temas que mais tenho tratado, conversado, participado de rodas de conversa, etc… a conciliação entre as esquerdas e os evangélicos, e é importante que deixemos tudo no plural, pois aqui pode estar a chave de possibilidade de conciliação: o entendimento de que as esquerdas, como os evangélicos, são múltiplos e não unívocos.
Costumo brincar (mas o que falo é verdade) dizendo que durante anos apanhei da esquerda por ser evangélico e dos evangélicos por ser de esquerda. Duro caminho esse de abraçar as duas bandeiras. Duro, mas possível e, a meu ver, complementar. Não entendo outra forma de manifestar, na vida prática (política), a minha fé evangélica que não seja abraçando as causas que me fazem ser de esquerda. Lembro-me de uma vez ser perguntado sobre como conciliar o fato de ser comunista com o de ser pastor, e respondi que essa pergunta não deveria ser feita a mim. Os outros (pastores capitalistas) é que devem responder como conciliam princípios tão antagônicos.
Mas, voltando à fala do Haddad, se foi um erro, há como consertar. Exatamente pela multiplicidade do ser evangélico no Brasil e por uma disputa de narrativa que ainda está em aberto para grande parte do povo que se identifica com essa fé evangélica brasileira. Ainda que contaminada, em boa parte, pela teologia da prosperidade e pelo conservadorismo clássico (que não acontecem somente no meio neopentecostal), há uma parcela considerável que se apresenta hoje como progressista, além da maior parte, que transita numa espécie de “limbo político”, levado para lá e para cá ao bel prazer de seus líderes, nem todos mau caráter, mas em sua maioria desinformados.
Além disso, é preciso que as esquerdas aprendam a disputar essa narrativa com um povo que vê a perseguição como algo positivo (fato extremamente utilizado pelos pilantras da fé), e que tem como legado das Reformas Protestantes a individualização da experiência de vida, levada ao extremo pelo neopentecostalismo, onde, por exemplo, quaisquer políticas públicas como “desnecessárias”, já que buscam apenas a sua realização pessoal. Por essas e outras, a pessoa é capaz de ser agraciada no “Minha Casa, Minha Vida”, mas não atribuir esse fato à uma política pública de moradia, senão ao seu “mérito” pelo esforço na busca da “benção”.
A possibilidade da conciliação passa por alguns fatores que simplesmente pontuarei aqui, sem me aprofundar neles: mudança no discurso das esquerdas em relação aos evangélicos, não generalizando, mas pontuando a quais evangélicos se referem; maior participação de evangélicos progressistas nas análises de conjuntura e estruturas partidárias; formação de grupos de base (nos moldes das Comunidades Eclesiais de Base), principalmente nas periferias, onde o número de evangélicos é bem superior; seminários e eventos voltados para as direções partidárias sobre a história do pensamento evangélico e sua participação política no Brasil. Muitas outras coisas poderão ser feitas, estas são apenas algumas possibilidades.
Enfim, estamos num momento delicado. As narrativas estão quase todas sequestradas e capitalizadas pelas forças de direita, com o agravante das fake news. Não é uma conciliação que se dará do dia para a noite. Há um caminho de paciência e reflexão, e o primeiro passo deve ser dado pelas esquerdas.
Espero que não demorem muito…
*José Barbosa Junior – Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho, em Belo Horizonte
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