O Brasil, de acordo com o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2021, regista a presença de 117 povos ou segmentos de povos em isolamento. Sob permanente ameaça e risco de extermínio, a situação desses povos se agravou nos quatro anos do governo da extrema direita de Bolsonaro, quando mecanismos operacionais de proteção de seus territórios foram desconstruídos, com aumento das invasões de suas terras e das Unidades de Conservação Ambiental onde muitos desses povos estão localizados.
Estas preocupações foram levadas ao Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas (UNPFII), pela Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil) do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que manifestou imensa preocupação com o futuro dos povos indígenas em isolamento. Kora Kanamari, liderança indígena no Vale do Javari, e Guenter Francisco Loebens, integrante da Eapil, deram voz às denunciam durante o evento.
“O Brasil regista a presença de 117 povos ou segmentos de povos em isolamento, segundo relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil”
Em 2021, as invasões das terras indígenas no Brasil atingiram pelo menos 226 Terras Indígenas (TIs) em 22 estados. Em pelo menos 28 delas, há presença de povos isolados, colocando a própria existência desses grupos em risco. Essas áreas concentram 53 do total de 117 registros de povos isolados mantidos pela Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres do Cimi, que analisa este cenário no quarto capítulo do Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicado anualmente pelo Cimi.
As invasões têm levados esses povos a situações críticas, a exemplo das TIs Munduruku e Ituna/Itatá, no estado do Pará; Piripkura, no Mato Grosso; Pirititi, em Roraima; Ilha do Bananal, no Tocantins; Arariboia, no Maranhão; Uru-Eu-Wau-Wau e Karitiana, em Rondônia; e Jacareúba/Katawixi, no Amazonas.
“As invasões das terras indígenas no Brasil atingiram pelo menos 226 terras, em pelo menos 28 delas há presença de povos isolados, colocando a existência desses grupos em risco”
Além disso, muitos povos em isolamento encontram-se em áreas não demarcadas e, portanto, ainda mais vulneráveis, como nas regiões do rio Tapajós no Pará e rio Purus no Amazonas, e no estado do Acre, na fronteira entre Brasil e Peru.
Dos 117 registros de povos indígenas isolados catalogados pela Eapil/Cimi, a Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) reconhece a existência de apenas 28. “Existem, portanto, mais de 80 referências com indícios de presença de grupos isolados em relação aos quais não há nenhuma medida protetiva de seus territórios, ou seja, além da situação de extrema vulnerabilidade, estão sujeitos permanentemente a massacres, porque permanecem invisíveis para o Estado”, denuncia o missionário do Cimi.
“Dos 117 registros de povos indígenas isolados catalogados pela Eapil/Cimi, a Funai reconhece a existência de apenas 28”
Em Evento Paralelo sobre os “Desafios para o Reconhecimento dos Territórios e Direitos dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntários na Amazônia”, Guenter destacou as tensões e constantes preocupações de organizações indígenas e indigenistas que se dedicam ao tema, em especial, diante da política anti-indígena a que os povos originários foram submetidos nos últimos quatro anos. Condição que afeta, sobretudo, os povos livres ou em isolamento voluntário em contexto de fronteira.
Um exemplo desta situação é a TI Vale do Javari, no estado do Amazonas, fronteira entre Brasil e Peru, onde existe a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo: são 15 reconhecidos oficialmente, podendo o número ser ainda maior. A TI já não é mais um lugar seguro para estas populações, devido ao grande aumento de invasores – madeireiros, narcotraficantes, garimpeiros, pescadores e caçadores – verificado nos últimos anos, alerta Kora Kanamari, liderança indígena no Vale do Javari.
“No Vale do Javari, fronteira entre Brasil e Peru, existe a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo, 15 reconhecidos oficialmente”
“No Vale do Javari a criminalidade aumentou, assim como nos outros territórios ocupados por povos isolados, como na Terra Indígena Yanomami, onde os crimes de genocídio ganharam destaque na imprensa a partir do começo do ano com as ações de combate ao garimpo ilegal adotadas pelo novo governo”, destacou Kora em diálogo no Fórum Permanente.
Na data que marca o Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, Kora Kanamari fez a voz dos povos originários ecoar no Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas.
“A criminalidade aumentou nos territórios ocupados por povos isolados, os crimes de genocídio ganharam destaque devido as ações do garimpo ilegal”
“São 523 anos de resistência e luta pelos direitos dos povos indígenas, pelos direitos básicos, pela preservação de nossas terras, costumes, línguas e culturas. Porém, nossos direitos seguem sendo violados, mesmo estando garantidos pela Constituição Federal do Brasil de 1988. Vivemos na Amazônia, conhecido como o pulmão do mundo. O nosso território, o Vale do Javari constituiu o maior número de povos isolados do mundo, porém não tem nenhuma proteção por parte do Estado brasileiro”, destacou a liderança Kanamari.
Na oportunidade, Kora também fez um apelo Fórum Permanente da ONU para que recomende ao Estado brasileiro a imediata proteção dos territórios indígenas, especialmente dos povos que vivem em isolamento voluntário. Chamou a atenção para o aumento das invasões, em especial do narcotráfico na região de fronteira, e lembrou do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, ocorrido em junho de 2022, por sua luta em defesa dos povos originários.
“São 523 anos de resistência e luta pelos direitos dos povos indígenas, pelos direitos básicos, pela preservação de nossas terras, costumes, línguas e culturas”
Medidas urgentes e necessárias
O integrante da Eapil/Cimi e a liderança Kanamari apontaram que é necessário interromper o continuado e vergonhoso processo de extermínio povos indígenas em isolamento, com a retirada imediata dos invasores das terras indígenas e de outras áreas protegidas com presença de povos isolados. Eles também salientaram a importância do apoio às inciativas de proteção dos territórios adotadas pelos próprios povos indígenas para defender seus parentes.
Ao conjunto das contribuições feitas ao UNPFII, tanto Guenter quanto Kora destacaram a necessidade de ampliar a capacidade operacional das Bases de Proteção Etnoambiental da Funai e dos outros órgãos de fiscalização e de combate à criminalidade nas terras públicas, bem como de adotar medidas especiais de atenção à saúde das populações do entorno de seus territórios. Outro ponto destacado foi a importância de se criar, no âmbito da administração pública, espaços específicos que permitam a ampla participação das organizações indígenas e de entidades aliadas para debate e orientação dos rumos da política de proteção aos povos em isolamento.
“É necessário interromper o continuado e vergonhoso processo de extermínio povos indígenas em isolamento, com a retirada imediata dos invasores”
Ambos, nos diversos espaços do Fórum Permanente, reforçaram não ser suficiente apenas reconstruir o Sistema de Proteção aos Povos Isolados da Funai, pois este já era insuficiente antes do governo anti-indígena dos últimos anos.
“O que se verifica é que à medida que aumenta o número de registos da Funai sobre a presença de indígenas isolados, sua estrutura de recursos humanos e financeiros, tem diminuindo”, apontou Guenter Francisco Loebes.
Tal contexto é exemplificado pela morte do último indígena da Terra Indígena Tanaru, conhecido como “indígena do Buraco”, no ano passado, em Rondônia. Sua morte “marca o fim de mais um povo, nos lembra como ao longo da história, inclusive a recente, muitos desses povos foram massacrados, contaminados por doenças contagiosas, reduzidos populacionalmente e assim condenados à extinção, devido à omissão ou ação tardia do Estado, alegando o desconhecimento da sua existência”, afirma Guenter, que atua há mais de 30 anos com povos isolados.
“O que se verifica é que à medida que aumenta o número de registos da Funai sobre a presença de indígenas isolados, sua estrutura tem diminuindo”
Com preocupação, o missionário do Cimi também destacou o povo Piripkura no Mato Grosso, “outro povo isolado condenado à extinção no Brasil, reduzido a apenas três pessoas conhecidas. Dada a sua invisibilidade, sem informações mais apuradas sobre as possíveis situações de violência a que estão expostos, muitos outros povos isolados podem estar sofrendo genocídios atualmente”, reforça Guenter.
Além da participação no Fórum da ONU, a Eapil/Cimi também compõe o Grupo de Trabalho Internacional para a Proteção dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento e Contato Inicial (GTI-PIACI). O grupo é composto por 21 organizações de toda a Amazônia e do Gran Chaco decidiram constituir o GTI PIACI, o que foi anunciado e formalizado na Declaração de Lima.
“Outro povo isolado condenado à extinção no Brasil, reduzido a apenas três pessoas conhecidas, é o povo Piripkura no Mato Grosso”
Fórum Permanente
Com o tema “Povos Indígenas, saúde humana, saúde planetária e territorial e mudança climática: uma abordagem baseada em direitos”, as Nações Unidas deram início às reuniões anuais do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas (UNPFII), no dia 17 de abril. O evento, que está em sua 22ª sessão, acontece até o dia 28 de abril de 2023, na sede da ONU, em Nova York, de forma presencial.
“A criação do Fórum Permanente é a maior reunião de povos do Sistema das Nações Unidas, buscando discutir questões globais que afetam toda a humanidade, não apenas os povos indígenas. É uma conquista histórica desses povos, que ficaram de fora da criação da ONU; permite que suas vozes sejam ouvidas, mas ainda há um longo caminho a percorrer”, destacou o secretário-geral da ONU, António Guterres, na mesa de abertura do evento.
“O Fórum Permanente é a maior reunião de povos do Sistema das Nações Unidas, uma conquista histórica desses povos, que ficaram de fora da criação da ONU”
Lideranças indígenas e indigenistas da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Irmãs Carmelitas Missionárias, Caritas Espanhola, da Grande Assembleia Guarani e Kaiowá (Aty Guasu), Federação de Mulheres Trabalhadoras Huaynakana Kamatawara Kana, Coordenação Nacional de Defesa dos Territórios Indígenas Camponeses e Áreas Protegidas da Bolívia (CONTIOCAP), Organização da Nacionalidade Waorani do Equador (NAWE), e do Centro Amazônico de Antropologia e Aplicação Prática do Peru (CAAP), do Peru, Equador, Bolívia, Brasil e Espanha, participam desta edição do UNPFII.
O Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas é um órgão consultivo de alto nível do Conselho Econômico e Social. Criado em 28 de julho de 2000 pela resolução 2000/22, com objetivo de tratar das questões indígenas relacionadas ao desenvolvimento econômico e social, cultura, meio ambiente, educação, saúde e direitos humanos.
Fonte; POR ADI SPEZIA, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
Imagem capa: 22ª Sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas (UNPFII) está sendo realizada de 17 a 28 de abril de 2023, na sede da ONU, em Nova York
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