Na madrugada desta última sexta (11), homens encapuzados dispararam diversos tiros sobre os barracos dos indígenas e afirmaram que, se não saírem até domingo, “serão todos mortos”
Seguranças de empreendimento privado acompanham de perto visita de apoiadores a indígenas na Ponta do Arado. Foto: Douglas Freitas/Amigos da Terra Brasil
POR TIAGO MIOTTO, DA ASCOM/CIMI
Na madrugada desta sexta-feira (11), os Guarani Mbya da comunidade Ponta do Arado, em Porto Alegre (RS), foram atacados a tiros por homens encapuzados. Segundo o relato da comunidade, o ataque ocorreu por volta das três horas da manhã, quando dois homens com os rostos cobertos atiraram dezenas de vezes sobre os barracos dos indígenas. Além dos disparos, que não atingiram ninguém, os agressores também ameaçaram os Guarani, afirmando que, se não deixarem a área até domingo, serão todos mortos.
“Chegaram dois homens armados, encapuzados, dando tiros em cima do nosso barraco. As crianças ficaram todas assustadas, chorando. Eles falaram que vão esperar até domingo. Se a gente não sair até domingo, eles disseram que vão matar todo mundo, que não vai sobrar nenhuma pessoa. Foram muitos tiros”, relata o cacique Timóteo Karai Mirim.
A retomada da Ponta do Arado fica no bairro Belém Novo, na zona sul de Porto Alegre, às margens do rio Guaíba, numa região de preservação ambiental que é, também, um importante sítio arqueológico do povo Guarani. A área é alvo de forte especulação imobiliária, e os indígenas já receberam outras ameaças de seguranças da empresa que pretende construir um grande condomínio no local.
“Se a gente não sair até domingo, eles disseram que vão matar todo mundo, que não vai sobrar nenhuma pessoa. Foram muitos tiros. Queremos que o Ministério Público e a Funai nos protejam, porque estamos longe da cidade”
Na quarta-feira (9), o cacique conta que uma pessoa que se apresentou como gerente do empreendimento foi à retomada e se colocou à disposição para ajudar os indígenas a “fazer a mudança” da comunidade para a aldeia Cantagalo, localizada em Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre.
Acompanhado de outras duas pessoas, o suposto gerente afirmou aos Mbya que eles não tinham condições de ficar ali e acabariam tendo que sair de qualquer jeito.
Na noite seguinte, de quinta-feira, os indígenas relatam que seis seguranças cercavam os seus barracos, falando muito alto. Por volta das dez horas da noite, eles se retiraram para o meio da fazenda que circunda a retomada, e os indígenas ouviram muitos disparos. Algumas horas depois, às três da manhã, iniciou o ataque dos homens encapuzados contra a comunidade, que focaram os barracos com lanternas, dispararam e gritaram ameaças contra os indígenas.
“Queremos que o Ministério Público e a Funai nos acompanhem, porque estamos longe da cidade, isolados. É difícil, queremos que nos protejam”, afirma o cacique Timóteo. “Essa terra aqui é um lugar nosso antigo, é muito importante para nós. Por isso voltamos para cá e queremos viver aqui”.
Desde que retornaram para sua terra ancestral, em junho de 2018, os Guarani Mbya da Ponta do Arado tem sofrido com ataques e ameaças constantes. Naquele mesmo mês, homens armados, dizendo-se policiais, ameaçaram os indígenas e afirmaram que se não deixassem o local seriam removidos à força.
A área retomada pelos indígenas fica no perímetro da antiga Fazenda do Arado, de 426 hectares, que é compreendida hoje por uma área de preservação e algumas fazendas. A retomada só é acessível passando-se por duas destas propriedades ou chegando por meio do rio.
Os Guarani são constantemente vigiados pelos seguranças das fazendas e do empreendimento imobiliário. Eles chegaram a ameaçar inclusive os pescadores que faziam o transporte dos indígenas da comunidade e de seus apoiadores, de barco, e inviabilizar o acesso dos indígenas à água potável.
Em dezembro, a situação de ameaças e constrangimentos se agravou, com a instalação de uma cerca ao redor do acampamento, cerceando a locomoção dos indígenas, e a construção de uma casa para os seguranças do empreendimento dentro da área de ocupação dos Guarani.
Na avaliação do coordenador do Cimi regional Sul, Roberto Liebgott, o ataque tem a intenção de causar temor na comunidade, fazendo com que eles abandonem o espaço de luta territorial.
“O Cimi avalia isso com muita preocupação. Segundo o cacique, os agressores afirmaram que, com o novo governo, eles têm agora poder de polícia para defender as propriedades. Então, há um estímulo no âmbito da política para que esse tipo de ação se desenvolva”, avalia Liebgott.
Hoje pela manhã, os indígenas registraram um boletim de ocorrência na delegacia de polícia do bairro Belém Novo e, pela tarde, denunciarão a situação ao Ministério Público Federal (MPF).
OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA CONTRA INDIGÊNAS (CLIC)
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